Uso do combustível foi adiado em três anos por pressão de montadoras e da Petrobrás; novo diesel chegou neste mês

RIO – Pesquisadores do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) estimaram o impacto do atraso na adoção de um diesel mais limpo no País: pelo menos mais 13.984 mortes devem ocorrer até 2040. O estudo foi publicado na revista científica Clinics em 2012. No início deste mês, postos de combustíveis começaram a receber o diesel S10, com teor mais baixo de enxofre.

Por pressão de montadoras e de setores da Petrobrás, a resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) que determinava a distribuição de um diesel menos nocivo a partir de janeiro de 2009 não foi cumprida. O S50, com 50 partes de enxofre por milhão de partículas (ppm), só chegou aos postos em 2012, após um acordo jurídico. Agora, o S50 está sendo substituído pelo S10, com 10 ppm.

O cálculo do impacto do adiamento havia sido feito em 2008 e foi refinado para o artigo recém-publicado. “Fomos conservadores na projeção”, disse o engenheiro Paulo Afonso de André, que assina o estudo com mais três pesquisadores. O trabalho engloba as seis principais regiões metropolitanas: Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo.

“É um passivo que vai demorar até 2040 para ser zerado, porque a renovação da frota é muito baixa”, afirmou André, referindo-se aos veículos a diesel vendidos entre 2009 e dezembro de 2011, com motores com tecnologia antiga e alta emissão de poluentes.

“Nunca se vendeu tanto caminhão sem catalisador quanto no período do atraso. Com isso, pode-se usar qualquer tipo de diesel. Vamos ter esses dinossauros rodando por 30 ou 40 anos”, disse Paulo Saldiva, coordenador do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental e também autor do artigo.

Veículos antigos. André criticou o fato de não haver obrigação para que veículos antigos também usem o novo diesel. “Estudos mostram que um carro velho com combustível novo chega a poluir 50% menos. Mas a política pública não considerou isso.” Segundo Saldiva, a poluição atmosférica causa doenças que matam cerca de 4 mil pessoas por ano em São Paulo. “O diesel é responsável por 40% disso: são 1,6 mil mortes por ano a mais em São Paulo. Está no mesmo nível de evidência que o tabaco e o amianto em casos de câncer.” Das 14 mil mortes associadas ao não atendimento da resolução em 2009, 7,2 mil devem ocorrer na Grande São Paulo.

Com a adoção do diesel mais limpo, disse Saldiva, o brasileiro deixa de ser tratado como cidadão de segunda categoria neste quesito. “O caminhão produzido por uma multinacional no Brasil deve ter a mesma tecnologia usada na Alemanha ou na Suécia.” Procurado, o coordenador de Resíduos e Emissões do Ibama e responsável pelo Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores Paulo Macedo, não deu entrevista.

Felipe Werneck – O Estado de S. Paulo