É muito lixo!

Hoje ele ameaça a sociedade e o meio ambiente tanto quanto o terrorismo, as guerras ou o desmatamento. E o Rotary está atento

Luiz Renato D. Coutinho*

O célebre economista canadense John Kenneth Galbraith, considerado um iconoclasta por muitos de seus colegas, dedicou um pequeno momento de seu livro mais popular, “A Era da Incerteza”, para falar sobre o que ele considerava o maior dos problemas a ser enfrentado pela humanidade no futuro: o lixo. E Galbraith aproveitava também para comentar o grande lixo gerado pela Guerra Fria, e que ia se depositando nos desertos norte-americanos, o mais famoso deles no Estado do Colorado, o Deserto de Mojave – o local abriga atualmente cerca de 4.400 aeronaves civis e militares. “A Era da Incerteza”, que se tornou também uma séria para a televisão norte-americana, é de 1977.

Hoje, passados 34 anos, o que se pode dizer é que aquele futuro anunciado chegou mais cedo do que se esperava. O trecho da obra de Galbraith, que para alguns soou como mera curiosidade, dispõe atualmente da força dos números.
Pois vejamos: os EUA produziram 254 milhões de toneladas de lixo em 2007, uma média anual de 835 quilos por habitante. Isso significa que cada habitante gerou uma média de 2,2 quilos por dia.

No Brasil, são geradas cerca de 230 mil toneladas de lixo por dia. Segundo a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, do IBGE, realizada em 2000, 73% dos resíduos vão parar nos aterros sanitários, que permitem maior controle da poluição ambiental, ou nos aterros controlados, onde o lixo é coberto com uma camada de terra. O restante é lançado em lixões, terrenos baldios, matas e margens de rios.
Calcula-se que a União Europeia, por sua vez, gere 1,3 bilhão de toneladas de resíduos por ano. São 535 quilos de lixo doméstico produzido por pessoa. Há 20 anos, a média era de 325 quilos por europeu.

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), a agência da Organização das Nações Unidas responsável por promover a conservação do meio ambiente e o uso eficiente de recursos no contexto do desenvolvimento sustentável, tem alertado para o fato de que o consumo de recursos naturais já supera em 20% ao ano a capacidade do planeta de regenerá-los.

O “Estado do Mundo 2004”, parecer da organização não governamental The Worldwatch Institute, afirma que “o consumismo desenfreado é a maior ameaça à humanidade”. Os pesquisadores da Worldwatch denunciam que “altos níveis de obesidade e dívidas pessoais, menos tempo livre e meio ambiente danificado são sinais de que o consumo excessivo está diminuindo a qualidade de vida de muitas pessoas”.

Seu relatório mais atual, do ano passado, recebeu o apoio do Rotary Club de Salvador-Baía de Todos os Santos (D. 4550) e foi publicado sob o título de “Transformando Culturas – do Consumismo à Sustentabilidade”. Erik Assadourian, responsável pelo relatório, declara no texto: “O consumo teve um crescimento tremendo nos últimos cinquenta anos, registrando um aumento de 28% em relação aos 23,9 trilhões de dólares gastos em 1996 e seis vezes mais do que os 4,9 trilhões de dólares gastos em 1960 (em dólares de 2008). Parte desse aumento é resultante do crescimento populacional, mas o número de seres humanos cresceu apenas a uma razão de 2,2 entre 1960 e 2006. Sendo assim, os gastos com consumo por pessoa praticamente triplicaram.”

E o crescimento do consumo mundial está concentrado: 60% dele somente nos EUA, no Canadá e na Europa, onde vivem menos de 12% da população. Se forem somados o Japão e outros países industrializados, chega-se aos 80% da produção, do consumo e da renda concentrados em nações com menos de 20% da população mundial.

E todo consumo vira lixo mais adiante. Uma situação inviável a longo prazo em termos ambientais, sociais e políticos, como apontaram vários líderes mundiais na Cúpula Mundial do Desenvolvimento Sustentável, que reuniu mais de 150 países em agosto de 2002, em Johanesburgo, na África do Sul.

Reciclando o que for possível
Até as décadas de 70 e 80, as pessoas conscientes eram aquelas que assistiam a filmes, documentários e liam artigos em defesa do meio ambiente e se indignavam com o que estava sendo feito contra o planeta. Fora isso, no dia a dia, qualquer atitude contra o estado de coisas parecia quixotesco. A partir dos anos 90, o cidadão comum descobriu que a solução estava também dentro da sua casa, e não apenas nos escritórios inacessíveis de um grupo de homens. O consumo responsável e a reciclagem da produção industrial consumida tornaram-se uma luta diária e pessoal.

A reciclagem se tornou um grande negócio, que gera um faturamento anual de 160 bilhões de dólares apenas nos EUA e emprega 1,5 milhão de pessoas em todo o mundo. Mas o processo, que deveria começar em casa, não começa na casa de todos. Em 11 capitais brasileiras, selecionadas por apresentarem tendências crescen­tes em relação ao consumo per capita, somente 47% das pessoas declaram fazer a separação de resíduos domésticos em lixo seco e lixo molhado, enquanto 53% misturam seus resíduos em um mesmo recipiente para a coleta. É o que informa o relatório Sustentabilidade Aqui e Agora, a partir de pesquisa realizada entre os dias 27 de setembro e 13 de outubro de 2010 por encomenda do Ministério do Meio Ambiente.

Cerca de 70% dos entrevistados ainda jogam pilhas e baterias no lixo comum, enquanto, mesmo com alta disposição para abandonar o uso de sacolas plásticas, 90% dos pesquisados ainda fazem uso cotidiano desse produto. Para se ter uma ideia do problema, cerca de 12 bilhões de sacolas plásticas são descartadas anualmente, sem manejo adequado, causando estragos no ambiente. Como reação, o Ministério do Meio Ambiente tem realizado a campanha Saco é um Saco, que está em curso há mais de um ano.

Outras constatações sobre os hábitos do brasileiro foram igualmente preocupantes:
l 66% descartam remédios no lixo doméstico;
l 33% jogam tintas e solventes no lixo doméstico;
l 39% descartam óleo usado na pia da cozinha;
l 17% têm lixo eletrônico guardado em casa.

Ainda assim, é ampla a in­clinação da sociedade para programas ou ações de substituição de sacolas plásticas: 60% manifestam-se a favor de uma lei que institua seu banimento.

Quase 60% dos pesquisados também acham que as preocupações existentes no país sobre problemas ambientais são pertinentes. Quando se confronta crescimento econômico e meio ambiente, 59% das pessoas acreditam que a preservação dos recursos naturais deve estar acima das questões relacionadas à economia. O mesmo percentual, 59%, revela não acreditar que os problemas ambientais possam ser solucionados com pequenas mudanças de hábitos. A maioria acredita que só grandes mudanças nos hábitos de consumo, transporte e alimentação po­dem propiciar um ambiente saudável no futuro.

No entanto, a reciclagem é antes de tudo um conceito atrelado à oferta de serviços de coleta seletiva. E é aí que a porca torce o rabo. No universo das 11 cidades pesquisadas, apenas 40% das pessoas afirmam existir coleta seletiva de lixo em seu bairro.

Vejamos essa outra amostra envolvendo todo o Brasil e não apenas aquelas 11 cidades: o IBGE informa, a partir de pesquisa de 2008 publica­da em 2010, que somente 17% dos municípios brasileiros, a maioria no Sudeste – um pouco mais de 900 municípios – têm coleta seletiva. Pouco mais de 40% possuem aterro sanitário e, para completar, somente 11% dos lares brasilei­ros costumam separar o lixo doméstico.

Hoje, mais de 75% da população brasileira vive nas cidades, que são verdadeiras usinas de consumo de energia, bens, serviços ambientais e matérias-primas.

Os Rotary Clubs em ação
A seção Distritos em revista da Brasil Rotário divulga quase todos os meses iniciativas dos Rotary Clubs voltadas para a questão do lixo. Ora aparecem notícias de palestras e campanhas de conscientização sobre a necessidade da coleta seletiva de resíduos, ora aparecem mutirões envolvendo os clubes e as comunidades locais na tarefa de selecionar e coletar lixo para reciclagem.

Um trabalho emblemático é dado pelo Rotary Club de Campos, no Estado do Rio de Janeiro (D. 4750). Em 1991, os rotarianos locais resolveram criar a Sociedade de Apoio à Criança e ao Idoso (Saci), e para manter tal iniciativa foi necessário se pensar em uma fonte de recursos. Esta fonte apareceu sob a forma de um programa permanente de reciclagem de materiais, que contou com uma usina de seleção e prensagem do lixo. É o que explica um de seus principais apoiadores, o governador 1996-97 do distrito 4750, Nylson Macedo, associado ao clube: “No princípio, conseguimos o apoio de algumas lojas, restaurantes e supermercados, que nos disponibilizaram seus recicláveis, como papelão, plástico, vidro e metal. Entretanto, tínhamos a responsabilidade de fazer o transporte. Para isso, contávamos com veículos de carga de companheiros empresários. O sistema evoluiu quando compramos um furgão através de um Subsídio Equivalente.”

O capítulo posterior foi outra vitória para esse programa de reciclagem. Em 2003, a prefeitura de Campos firmou um convênio com a Saci e passou a ceder o seu caminhão de coleta de lixo para o recolhimento de recicláveis. Assim, nas noites de quinta-feira o veículo passava e levava o lixo para a triagem e o beneficiamento sob a coordenação do Rotary Club de Campos.

Para que o processo funcionasse havia uma peça importante: a usina de seleção e prensagem do lixo, mencionada no início dessa história. Como explica Macedo, as empresas que compram o lixo reciclado somente o aceitam devidamente separado e prensado – no caso de plásticos e papelões –, ou picado – no caso dos vidros.
“Nós tínhamos um terreno grande na área rural da cidade, onde construímos uma escola. Sobrou um pedaço desse terreno e foi nele que fizemos a usina de processamento.”

O maquinário da usina foi adquirido graças às doações e aos recursos financeiros originados do próprio trabalho de beneficiamento. Como resultado, mensalmente são distribuídas pelo menos duas toneladas de alimentos a dez entidades filantrópicas dentre as 20 cadastradas pelo clube.

E o trabalho de conscientização para o armazenamento seletivo do lixo?
“Nós estamos há quase 20 anos nesse projeto. É um trabalho contínuo, de paciência. Já realizamos campanhas nos supermercados para conscientizar as pessoas, mas ainda temos muito o que fazer. Do total de lixo coletado das casas, apenas 25% vem separado e pode ser encaminhado para a usina. Mas, a cada ano, temos tido uma maior conscientização”, explica o ex-governador.

O óleo de cozinha também?
Muita gente boa não sabe, mas o óleo de cozinha é um grande estorvo para o meio ambiente. Jogado no ralo ou na pia, ele impermeabiliza caixas de passagem, fossas sépticas e entope o encanamento. Na sequência, ao ser levado pelo esgoto, chega aos rios e lagos. Ali, ele, que é mais leve que a água, forma uma camada sobre a superfície, impedindo a oxigenação e prejudicando a vida de peixes e plantas aquáticas.

Para desentupir os canos são necessários produtos químicos altamente tóxicos. Além disso, o óleo de cozinha não se degrada facilmente no ambiente. Basta dizer que um litro do produto pode poluir milhares de litros de água – algumas fontes falam em 10 mil litros, outras falam em muito mais.

Foi o que descobriu a advogada Célia Marcondes, presidente da Sociedade de Amigos, Moradores e Empreendedores de Cerqueira César, bairro da cidade de São Paulo: “Eu fiz o primeiro projeto de coleta seletiva de lixo de porta em porta e foi um sucesso. Ele gerou mais de 100 postos de trabalho. Aí pensei: agora é a vez do óleo de cozinha. Porque eu também não sabia o que fazer com ele, mas certamente ele era poluente. Foi a curiosidade: para onde vai o óleo?”

Então, o produto passou a ser incorporado à coleta seletiva a partir de 2007. Para ampliar a adesão ao projeto, Célia convidou a Companhia de Saneamento do Estado de São Paulo e a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente. Em pouco tempo a iniciativa ultrapassou o município, o estado e até o país.

Assim surgiu a Ecóleo, Associação Brasileira para Sensibilização, Coleta e Reciclagem de Resíduos de Óleo Comestível, presidida por Célia Marcondes.
“O que nós procuramos fazer é criar uma rede nacional de conscientização e de coleta do resíduo de óleo de cozinha. A Ecóleo é uma associação nacional sem fins lucrativos dos coletadores de óleo e a gente atua no país inteiro. Nossa preocupação é preservar o meio ambiente, principalmente as águas dos rios e mares”, ela comenta.

Segundo a Ecóleo o produto é o maior poluidor de águas doces e salgadas das regiões mais povoadas do país. O Brasil produz três bilhões de litros de óleo comestível por ano, sendo que 200 milhões de litros do produto vão parar mensalmente em rios e lagos.

Para a Ecóleo, a solução começa com a conscientização em casa, bares e restaurantes para que o óleo de cozinha seja separado e guardado de forma correta. Com isso, ele poderá ser encaminhado a um local de captação – os ecopontos –, nos quais empresas beneficiadoras poderão pegá-lo e levá-lo de forma segura até um local de reciclagem. Lá o produto passará por aquecimentos e filtragens a fim de ser purificado. Ao fim do processo, o antigo óleo comestível poderá ser adquirido por usinas como matéria-prima para biodiesel, tinta, verniz, ração animal, massa de vidro, acendedor ecológico de churrasqueira, defensivo agrícola, vela, entre outros produtos.

“Todo óleo e gordura de origem animal ou vegetal usados para frituras devem ser separados em recipientes seguros e, quando cheios, devem ser levados a um ecoponto mais próximo. A cada dia encontramos mais utilidades para o óleo”, comenta a advogada, que já fez palestras em alguns Rotary Clubs de São Paulo.

Mas, dissemos logo no início, a reciclagem tem que estar atrelada à oferta do serviço de coleta seletiva. Existem ecopontos por todo lugar? Célia responde: “Onde não há nós estamos ajudando a criar. Temos procurado as prefeituras e os órgãos públicos e privados, bares e restaurantes. Fizemos parcerias com as associações de bares e restaurantes, associação de hotéis e supermercados para que eles sejam um polo de recepção desse óleo. E estamos cobrando políticas públicas nesse sentido. Indústrias de beneficiamento estão surgindo a cada dia.”

A Ecóleo calcula que são arrecadados dois milhões de litros de óleo doméstico por mês somente na Grande São Paulo. São 56 coletadores-beneficiadores na região.
Como era de se esperar, nessa história do óleo o Rotary também não cochilou. O produto vem ganhando a atenção dos clubes há algum tempo, como revela a citada seção Distritos em revista.
E pode se recorrer a trabalhos emblemáticos, como ocorreu ao se falar dos resíduos sólidos.

No período rotário de 2009-10, o Rotary Club de Severínia (D. 4480) conseguiu arrecadar 3.150 litros de óleo de cozinha usado e converter o produto em renda para a Associação Voluntária de Combate ao Câncer de Severínia, município de São Paulo. O clube pretende atingir a marca de 5.000 litros neste período de 2010-11.

Já os Rotary Clubs de Três Lagoas e Três Lagoas-Cidade das Águas, MS (D. 4470), se uniram para criar o Projeto Óleo Limpo, iniciado em abril de 2009, tendo como parceiras várias empresas da cidade. A iniciativa vem conscientizando lanchonetes, bares e restaurantes para o armazenamento correto, em tambores com o símbolo do Rotary, do óleo comestível residual. Uma empresa faz então a coleta do produto para reciclagem. Para cada três litros de óleo residual encaminhado, a usina de beneficiamento entrega um litro de óleo novo, que recebe o selo do projeto e o símbolo do Rotary e é doado a uma das instituições filantrópicas do município de Sete Lagoas.

Como nos lembrava o então presidente do Rotary International William Bill Boyd em uma mensagem de 2007: “Pode ser difícil divisar como a reciclagem de jornais, de um recipiente de plástico, andar a pé em vez de dirigir ou economizar água poderiam significar um futuro melhor. Mas se muitas pessoas perfazem estas mesmas ações, estas pequenas mudanças acabarão por fazer uma grande diferença para nossos filhos e netos.”

No universo das 11 cidades pesquisadas,
apenas 40% das pessoas afirmam existir
coleta seletiva de lixo em seu bairro

O Brasil produz três bilhões de litros de óleo
comestível por ano, sendo que 200
milhões de litros do produto vão parar
mensalmente em rios e lagos

Para saber mais como armazenar o óleo de cozinha, evitando que ele desça pelo ralo ou pela pia, e onde entregá-lo para reciclagem, acesse o portal da Ecóleo: www.ecoleo.org.br

O perigo de fazer sabão em casa

Por todo o país pessoas bem intencionadas e em busca de economia vêm fazendo sabão caseiro. Ora, um dos ingredientes para sua fabricação é o óleo de cozinha, que encontraria assim um bom caminho de reciclagem. O problema está no outro ingrediente: a soda cáustica, substância altamente corrosiva. Como alerta Célia Marcondes, presidente da Ecóleo, adultos e crianças estão sofrendo queimaduras graves e até morrendo por conta dessa prática, que encontra incentivo na internet. Portanto, deixe a feitura do sabão para um profissional capacitado. Coletando corretamente o óleo de cozinha você já estará fazendo bastante pelo planeta.

* O autor é jornalista da Brasil Rotário. Colaboração: Edson Avellar da Silva, vice-presidente de Operações da revista